Após tiros e confusão com estudantes, líder do PSOL chama Eduardo de déspota
O dia 20 de janeiro de 2012 marcou uma inadmissível inflexão na postura do governo Eduardo Campos em sua relação com a população. Foi o dia em que a polícia do governador abriu fogo a esmo contra a sociedade civil organizada e contra instituições da nossa democracia.
Os projéteis e bombas disparados neste dia não atingiram apenas “um bando de manifestantes”. Estavam ali, na linha de tiro, não só crianças e até cadeirantes - prova de que se tratava de manifestação pacífica e que por si só já se configuraria como uma requintada covardia estatal -, mas entidades estudantis, partidos políticos, movimentos sociais e populares, com suas respectivas lideranças e representantes legais.
Uma manifestação legítima, legal, anunciada publicamente, acompanhada pela imprensa, para pressionar o Poder Público contra o aumento das tarifas no transporte coletivo e para denunciar a péssima qualidade desses serviços, acabou revelando um outro déficit – com certeza mais grave: o déficit democrático.
Felizmente temos hoje as redes sociais para colocar a verdade em relevo e não mais somos reféns impotentes das edições que lamentavelmente alguns meios empresariais de comunicação insistem em fazer. Este link (http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=NmI__PL_zkE ) mostra bem as imagens da mais pura verdade: policiais da Tropa de Choque, já na Avenida Guararapes, praticamente dentro da passeata, provocando conflitos, com os canos de suas espingardas praticamente encostando nos manifestantes, carregando caixas de explosivos no meio da manifestação. Lideranças do protesto, como mostram as imagens, são obrigados a pedir calma aos policiais e fazem uma espécie de cordão de isolamento, insistindo no caráter pacífico da manifestação.
Em frente ao Fórum Tomaz de Aquino, após a coordenação do protesto ser avisada de que a reunião do Conselho Metropolitano de Transporte, na sede do Consórcio Grande Recife (para onde a passeata se dirigia para pressionar por sua pauta) já tinha acabado e votado o aumento, o trajeto da passeata foi redirecionado para seu ponto de origem, no bairro da Boa Vista (Ginásio Pernambucano ou Faculdade de Direito), onde os manifestantes deveriam fazer uma reavaliação após a aprovação do reajuste de 6,5% nas tarifas.
Foi neste momento que o comando da Tropa de Choque tentou interferir no trajeto, não permitindo que a manifestação voltasse ao seu ponto de partida. Os manifestantes, pacificamente (se há câmeras de segurança naquela área é só solicitá-las e estes fatos serão confirmados), fizeram um contorno pelo estacionamento em frente ao Fórum Tomaz de Aquino e ocuparam a avenida em direção ao bairro da Boa Vista novamente. A Tropa de Choque, numa atitude absolutamente irresponsável, rapidamente localizou-se de forma frontal à manifestação e começou a disparar alucinadamente contra todos.
Muitos manifestantes refugiaram-se entre os carros no meio da avenida, para se proteger – como foi o meu caso, mas a fúria policial era tamanha que a tropa foi avançando e atirando as bombas e dando tiros sobre os carros e ônibus lotados de passageiros. Pessoas que simplesmente passavam pelo local foram atingidas pelos disparos.
Como não se tratava de um “bando de manifestantes”, o protesto foi rearticulado minutos depois para a Faculdade de Direito do Recife, para se fazer uma avaliação do ocorrido. Não se tratava mais apenas de aumento de passagem ou de qualidade do transporte público, mas do direito político fundamental de se realizar protestos pacíficos e da qualidade de nosso Estado Democrático de Direito.
A indignação de todos crescia na medida em que as armas do Estado continuavam apontadas para a democracia, intimidando a manifestação que estava agora concentrada nas escadarias da Faculdade de Direito do Recife – um monumento à luta histórica do povo pernambucano e brasileiro em defesa da liberdade, da democracia e da República. Reocupar as ruas era naquele momento uma demanda democrática, um mínimo de dignidade em homenagem à biografia de Joaquim Nabuco, Dom Helder, Gregório Bezerra e tantos outros que sobrepuseram sua tenacidade e coragem ante a covardia dos governos de plantão.
A manifestação agora queria fazer a ponte democrática entre as escadarias da Faculdade de Direito do Recife e a sede da OAB – para denunciar o retrocesso democrático, mas para isto teria que vencer um trajeto que passava pelo Palácio do Campo das Princesas e a Rua do Imperador, uma coincidência carregada de simbolismo. Quando a manifestação, num misto de coragem e impotência, avançou sobre as ruas novamente, não tardou para os disparos retornarem. De couraça simbólica da liberdade e da democracia, as escadarias, os jardins e os bustos erguidos na Faculdade de Direito passaram a ser escudo físico para proteger o povo contra as bombas e disparos da polícia militar do governo Eduardo Campos, que naquele momento rompia mais uma membrana de nossa construção republicana: o espaço federal protegido da UFPE e a atmosfera libertária e centenária da Casa de Tobias Barreto.
A manifestação não conseguiu ir até a OAB, mas a OAB foi até a manifestação. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco, Henrique Mariano, dirigiu-se imediatamente à Faculdade de Direito onde os manifestantes resistiam. Em seguida chegou o Ministério Público, com a Promotoria de Direitos Humanos. Os “excessos” da Polícia Militar eram evidentes e foi realizada uma negociação para que os manifestantes pudessem sair da Faculdade em segurança.
A ação policial truculenta e inconstitucional não foi um “excesso” localizado. Líderes da manifestação, identificados pelas redes sociais, foram preventivamente intimados pela polícia. Um deles teve sua intimação – para comparecer no dia e horário do ato convocado pela internet e em nota pública à imprensa, entregue na sede do PT. Um escárnio.
As ações do governo nestes episódios precisam ser esclarecidas e ter conseqüências. A reitoria deve exigir explicações e retratação do governador. Os feridos devem ver seus agressores responsabilizados. O ministério Público precisa apurar todas as responsabilidades dos entes públicos nestes episódios. As entidades da sociedade civil, partidos democráticos, movimentos, associações, imprensa livre, enfim, todos os que defendem a liberdade de expressão e a democracia, devem condenar a atitude anti-republicana e despótica do governador, que parece ter permitido que supostos índices de aprovação e adjetivos como “soberano”, utilizados por alguns jornalistas interessados em bajular o poder, lhe subissem à cabeça. Mas somos cidadãos, e não súditos. Presidente do PSOL-PE. (Blog de Jamildo)
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