Problemas do setor elétrico
Energia é tema central para a
sustentabilidade, entendida sob a perspectiva da interdisciplinaridade. No caso
da energia elétrica é quase impossível imaginar qualquer atividade sem a sua
presença, pois se tornou a principal fonte de luz, calor e força motriz
utilizada no mundo moderno. Atividades simples como a de assistir à televisão,
acender a luz ou navegar na internet somente são possíveis porque a energia
elétrica está disponível. Hospitais, lojas, fábricas, supermercados, e uma
infinidade de outros lugares precisam dela para funcionar. Grande parte dos
avanços tecnológicos alcançados se deve à energia elétrica.
Obtida a partir de várias fontes
primárias de energia, a eletricidade é gerada em grandes usinas. Transportada
por fios e cabos condutores chega aos consumidores por meio de sistemas
elétricos complexos. Assim é o atual sistema elétrico composto de quatro
etapas: geração, transmissão, distribuição e comercialização.
O Sistema Elétrico Brasileiro (SEB) é
muito peculiar. Dos 128.571 MW instalados até 26/12/2012, 83.844 MW são
provenientes de hidroelétricas, ou seja, 65,21 % do total. A energia eólica
contribui com 1,41% (1.815 MW). As termoelétricas existentes utilizam
diferentes combustíveis. O gás representa 10,31% (13.261 MW), petróleo/derivados,
5,71% (7.347 MW); biomassa, 7,63% (9.812 MW, sendo que o bagaço de cana produz
8.081 MW); carvão mineral, 1,79% (2.304 MW); e o urânio, 1,56% (2.007 MW). E
são importados (Paraguai, Argentina, Venezuela e Uruguai) 8.170 MW,
correspondendo a 6,36% do total instalado nas 2.729 usinas de geração. Como se
verifica a eletricidade, provém mais da metade de potenciais hidráulicos, sendo
predominantemente renovável. Depende fortemente das chuvas, pois quando o nível
dos reservatórios abaixa, diminui a produção elétrica. O que se pratica hoje é
utilizar termoelétricas a combustíveis fósseis (18% do total instalado),
altamente poluidoras, para evitar a falta de energia, e assim complementar a
geração hidroelétrica.
Um marco no setor elétrico foi a Lei
8.987 de 13 de fevereiro de 1995 que promoveu grande parte do processo de
desestatização, mercantilizando o setor. A solução dada à sociedade para o
setor elétrico foi a privatização dos serviços elétricos. O que acabou
acarretando na privatização de 100% das distribuidoras, aproximadamente 30% das
geradoras e 20% das transmissoras, que passaram assim para a iniciativa
privada. E o que era prometido com a privatização, melhorar a qualidade dos
serviços e baratear a tarifa elétrica virou pesadelo.
A partir daí o setor
público perdeu a capacidade de planejamento deste setor estratégico, resultando
no desabastecimento e racionamento em 2001/2002. O planejamento foi resgatado
parcialmente com a criação da Empresa de Planejamento Energético (Lei 10.847, de 15 de março de 2004),
subordinada ao Ministério de Minas e Energia (MME). Mas mesmo assim uma série
de blecautes, com a interrupção no fornecimento de energia têm ocorrido no
país, acentuando a freqüência destes eventos desde 2010.
A EPE trabalha com premissas de que o
país para crescer 7% ao ano nos próximos 12 anos, irá dobrar seu consumo per
capita de energia, e para isso deve acrescentar 5.100 MW anualmente ao seu
potencial elétrico, até 2022. Não se podem levar a sério estes números, pois
provavelmente este planejamento é comandado pelo oligopólio das grandes
construtoras de usinas, dos construtores de equipamentos elétricos, das
geradoras e distribuidoras de energia, levando em conta seus interesses
específicos, e não os do país. Não por acaso, o governo insiste em leilões de
hidroelétricas na região Amazônica, nas bacias dos rios Madeira (Jirau e Santo
Antonio), Xingu (Belo Monte), Alto Tapajós (Teles Pires e Juruena) e Baixo
Tapajós (Complexo São Luiz); na construção de mais usinas nucleares e nas
termoelétricas a combustíveis fósseis. Todas estas financiadas com recursos do
BNDES, que na verdade são recursos do Tesouro Nacional.
Aliado a insanidade “ofertista”, o
governo federal não prioriza o uso racional de energia com políticas agressivas
de eficientização energética e o uso de outras fontes renováveis de energia
como a energia solar e a energia eólica, para a diversificação e a
complementaridade da matriz elétrica nacional.
Diante dos fatos descritos,
identificamos os seguintes problemas no cenário elétrico (e mesmo energético):
dúvidas sobre a capacidade do governo para formular e executar, uma política
energética que vise os interesses do povo brasileiro; falta de democracia, sendo
as decisões tomadas por um número restrito de pessoas que tem assento no
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE); ausência de um modelo
participativo e regionalizado do planejamento elétrico; falta de transparência
e equilíbrio dos dirigentes do setor; corporativismo dos técnicos das empresas
do setor elétrico; desprezo a energia solar fotovoltaica e heliotérmica; e a
interferência de grupos políticos que tornaram o MME verdadeiro feudo destes
grupos, acarretando principalmente na incompetência de muito dos seus quadros
dirigentes indicados por seus padrinhos políticos.
Portanto, é urgente e necessária, a
modificação da atual política elétrica (e energética) para que a população
brasileira não venha sofrer os graves prejuízos que recairão sobre as futuras
gerações. (Heitor Scalambrini Costa - Professor da Universidade Federal de
Pernambuco)
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