Estado do Rio cria ‘Lei dos bons costumes’ e gera polêmica
Agora é lei: o projeto que institui no
Estado do Rio o nebuloso “Programa de Resgate de Valores Morais,
Sociais, Éticos e Espirituais” foi sancionado anteontem pelo governador
Sérgio Cabral (PMDB). A responsável pela iniciativa é a deputada Myrian
Rios (PSD), atriz e também missionária da Renovação Carismática
Católica.
Ontem, a chamada “lei dos bons costumes”
foi um dos assuntos mais comentados – e criticados – no Twitter entre
usuários brasileiros. A finalidade do programa não está clara. Na
justificativa do projeto apresentada à assembleia e divulgada ontem (18)
pela deputada em redes sociais, ela afirma que a sociedade “vem cada
dia mais se desvencilhando dos valores morais, sociais, éticos e
espirituais”, acrescentando que, sem eles, “tudo é permitido, perde-se o
conceito do bom e ruim, do certo e errado”. Segundo Myrian, que posou
nua para revistas masculinas no fim da década de 1970, quando se casou
com o cantor Roberto Carlos, o objetivo principal é “conscientizar e
reinserir valores para construir um futuro melhor”.
O texto da lei estabelece que o programa
deverá envolver “diretamente a comunidade escolar, a família,
lideranças comunitárias, empresas públicas e privadas, meios de
comunicação, autoridades locais e estaduais, organizações não
governamentais e comunidades religiosas” na chamada revisão dos valores.
Após uma chuva de críticas, a deputada
escreveu no Twitter que “em momento algum se faz discriminação contra
qualquer religião ou sexualidade”. Um dos críticos havia escrito para
ela que “a discriminação é clara, evidente, preconceituosa e ilegal; em
especial contra gays e ateus”.
Eleita em 2010, Myrian já declarou no
plenário da assembleia: “Ora, se somos todos iguais, com os mesmos
direitos, eu também tenho que ter o direito de não querer um funcionário
homossexual, se for da minha vontade”. No mesmo discurso, ela insinuou
que a luta contra a homofobia estimularia a pedofilia, depois disse que
foi mal interpretada e pediu desculpas. Ontem, a deputada disse que o
projeto trata do “resgate de valores da vida”. Perguntada sobre como a
questão do aborto seria abordada no programa, ela declarou: “Sou
completamente contra. Isso é um valor moral.”
Segundo Myrian, a definição das
prioridades será uma atribuição do governo estadual. Estão previstos
convênios com prefeituras e ONGs. Indicada como órgão gestor, a
Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos foi procurada pela
reportagem, mas divulgou apenas uma nota, informando que a lei “ainda
precisa de um decreto regulamentando-a e indicando os critérios de
execução”. “Ao publicá-la, o governador entende que se trata de um
programa importante, mas não é uma lei autoaplicável”, acrescentou. O
secretário Zaqueu Teixeira (PT) não quis dar entrevista.
Professora da Faculdade de Educação da
UFRJ, Tania Zagury avalia que seria mais válido o governo investir na
qualificação do magistério. “Cidadania e valores éticos não surgem por
meio de decretos ou leis. É quase uma volta da moral e cívica, com o
risco de se misturar a questões religiosas. O Estado deve ser laico, não
pode interferir nisso.” (O Estado de S.
Paulo)
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