A rotina dos “apaguinhos” de energia
A promessa de que o processo de
privatização do setor elétrico, em particular das distribuidoras de
energia elétrica favoreceria a concorrência e assim ofereceria melhor
qualidade dos serviços e a modicidade nas tarifas, acabou sendo uma
enorme decepção para aqueles que nutriram esperanças na transferência da
gestão pública para a privada.
Hoje com as distribuidoras 100%
privatizadas, a tarifa paga pelo consumidor brasileiro é uma das mais
caras do mundo. E a qualidade dos serviços deteriora ano a ano com os
sucessivos “blecautes” atingindo vários estados brasileiros, quer por
problemas na geração, como também na transmissão da energia. A
justificativa das autoridades do setor, que enxergam o consumidor como
“bobo da corte”, recaem quase sempre sobre fenômenos naturais (temporal,
enchentes ou seca) e/ou falhas humanas. Todavia o problema é mais grave
e teve inicio nas mudanças ocorridas em 1995, quando o setor elétrico
passou a ser gerido pelas leis de mercado. Hoje a falta de investimentos
em novos equipamentos, na qualificação de pessoal, na fiscalização e
essencialmente na gestão do sistema nacional integrado são as principais
causas das sucessivas interrupções no fornecimento de energia.
Além do problema que tem suas causas na
geração e na transmissão, com ampla repercussão na mídia nacional e
internacional, têm-se as recorrentes quedas de energia nas cidades
atendidas pelas distribuidoras estaduais, penalizando o consumidor. A
fiscalização deste serviço é de responsabilidade da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), que conveniada com as Agências Reguladoras
Estaduais é quem deveriam monitorar a prestação dos serviços das
concessionárias estaduais.
A Aneel por sua vez para incentivar a
melhoria dos serviços prestados a população, a partir da visão do
consumidor residencial, concede anualmente o Premio “Índice Aneel de
Satisfação do Consumidor – IASC” para as concessionárias melhores
avaliadas. O IASC é o resultado de uma pesquisa amostral realizada
diretamente junto ao consumidor abrangendo a área de concessão das 63
distribuidoras do país. Para esta verificação são realizadas entrevistas
com um pequeno número de consumidores de cada distribuidora. Este
numero de questionários aplicados depende do numero total de
consumidores de cada empresa No caso da Companhia Energética de
Pernambuco, para uma clientela em torno de 3 milhões de consumidores,
são 450 questionários para todo o Estado (selecionados alguns
municípios), incluindo pouco mais de 100 questionários para Recife.
Em 2011 para concessionárias com mercado
maior que 1 TWh, a Celpe foi classificada na 4ª posição entre 33
empresas. O que a coloca a níveis de eficiência que a situam entre as
melhores distribuidoras de energia do Brasil. Esta classificação deveria
possibilitar uma comparação da qualidade dos serviços prestados pelas
concessionárias. Mas não é o que acontece. O ranking foi elaborado com
base no Indicador de Desempenho Global de Continuidade (DGC), é que
permite avaliar o nível da continuidade dos serviços prestados pela
distribuidora (valores apurados de duração e freqüência de interrupções)
em relação aos limites estabelecidos para a sua área de concessão
(limites determinados pelas resoluções autorizativas da Aneel). As
distribuidoras são avaliadas em diversos aspectos do fornecimento de
energia elétrica através dos indicadores de continuidade comoo DIC que é
a duração de interrupção individual por unidade consumidora, ou seja, o
intervalo de tempo que, no período de apuração, em cada unidade
consumidora ocorreu descontinuidade da distribuição de energia elétrica;
o FIC, que é a freqüência de interrupção individual por unidade
consumidora, logo o número de interrupções ocorridas, no período de
apuração, em cada unidade consumidora; e o DMIC é a duração máxima de
interrupção contínua por unidade consumidora, ou seja, o tempo máximo de
interrupção contínua de energia elétrica, em uma unidade consumidora.
Os indicadores FIC, DIC e DMIC são
estampados na fatura de energia elétrica enviada ao consumidor, em um
pequeno quadro “Duração e Freqüência das Interrupções”. São mostrados o
valor apurado pela companhia (mensal e trimestral) e os limites máximos
autorizados pela Aneel. O que chama a atenção é que os valores apurados
pela Celpe são imutáveis. Mesmo tendo o consumidor verificado naquele
mês um maior número de interrupções do que o mês anterior, esta situação
não modifica os valores apurados e indicados na fatura. Lembrando que
na fatura é também informado que o cliente poderá a vir a ser compensado
quando há violação em relação aos índices pré-estabelecidos pela Aneel.
Todavia a falta de credibilidade dos índices apontados pela companhia é
total, e não serve para o consumidor verificar se houve ou não
descumprimento na prestação do serviço, e assim poder reivindicar seu
direito de consumidor.
O caso de Pernambuco é emblemático, pois
é grande a freqüência das interrupções no abastecimento de energia
ocorridas não só na capital, como nas cidades interioranas. Já algum
tempo a queda de energia nos bairros de Recife e em outras cidades
atendidas tornou uma rotina, mas infelizmente estes episódios não têm a
visibilidade de um apagão atingindo vários estados brasileiros ao mesmo
tempo. Mas que não são menos importantes, pois os chamados “apaguinhos”
trazem os mesmos problemas e transtornos. Os jornais, as rádios e os
órgãos de defesa do consumidor é quem reverbera as denúncias e a
insatisfação do consumidor pernambucano.
A situação atingiu tal nível de
insatisfação que até o atual governador, em um momento raro de defesa
dos interesses da população, acusou publicamente a empresa de “não
gostar de pobre”. Este fato ocorreu na solenidade de lançamento do
Programa Chapéu de Palha no município de Afogados da Ingazeira (380 km
de Recife), Neste dia, fez sérias acusações a Celpe de não fazer obras
para os pobres, acusando-a de boicotar ações contra a seca, atrasando
obras dos Governos Federal e Estadual, apesar de ter lucrado em 2011
mais de R$ 400 milhões, e de ter enviado seus lucros para a Espanha.
Também criticou a imprensa, por não denunciar a Celpe por ser uma forte
anunciante desses veículos. Pura retórica populista.
É bom que se diga, que não é somente com
a prestação de serviços elétricos que o cidadão sofre “as duras penas”,
mas também com a qualidade dos serviços de água e esgoto, na área de
saúde, telefonia, com as companhias aéreas, entre outras. Reclamar a
quem? Só se for ao Bispo de Itu, pois as autoridades responsáveis, não
estão nem ai. Fazem de conta que o problema não existe. Vivem em outro
planeta. (Artigo: Heitor Scalambrini Costa, Professor da Universidade Federal de Pernambuco)
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